Por: Augusto França, Shyrley Dantas e Fernanda Guimarães
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A vida é um livro que nós próprios escrevemos e contamos ao mesmo tempo, somos protagonistas e ouvintes dessa caminhada, mas a forma como contamos ou vivemos é o que define as nossas lutas, vitórias e derrotas. Em uma sociedade capitalista, famigerada pelo dinheiro e pelo peso que ele carrega na sociedade, a diferença entre as classes sociais é vigente e tida como um ponto muito preocupante na formação da cultura popular, mas por outro lado o capitalismo pode também salvar famílias de baixa renda através de seus meios de produção.
Desde sua nascença, o ser humano é destinado a um futuro rotineiro, tomado pela autarquia conservadora e mediocrata na definição de classes sociais. Jean-Jacques Rousseau, um dos mais expoentes pensadores iluministas afirma que o ser humano é produto do meio em que convive, é fruto daquilo que colhe mais brevemente explicando. Em um mundo onde o capital é tido como bem principal, as classes sociais mais baixas acabam sendo omissas por não importarem, é difícil chegar a esse consenso, mas infelizmente é a mais pura verdade. Através da dependência financeira, as famílias acabam optando por formas de trabalho para se ter um sustento para o seu lar.
A cidade de Toritama, localizada no agreste do estado de Pernambuco é tida como a capital do jeans, muitas famílias sobrevivem e tiram sua renda através da costura, o trabalho mais frequente na cidade. A liberdade pode ser considerada como palavra chave para a escolha autônoma dessa forma de trabalho, por garantir autonomia para o cidadão e fazer com que ele possa gerar sua própria renda, o que não acontece nos empregos formais de carteira assinada e o que proporciona uma menor exploração do trabalho, já que o autônomo pode montar sua própria carga horária.
O documentário “Estou Me Guardando pra quando o Carnaval chegar” narra a vida dessa população através dos olhares das câmeras que retratam uma realidade muito pouco explorada e compartilhada por falta de investimento em representatividade cultural, de um povo muito pouco notado por não ser de classes sociais altas, e através da dependência financeira, acaba se tornando refém da maquinofatura e tendo a costura como principal fonte de renda. A autonomia está interligada ao empreendedorismo ao ponto em que as pessoas começam o seu próprio negócio, abrem suas próprias facções, ou como conhecidas, fábricas de quintal e geram seu próprio sustento. A partir de quando o negócio está dando certo, se faz necessário integrar novas pessoas para fazer com que a renda da facção aumente, o que pode ser sinônimo de uma exploração oculta ao ponto de que essas novas pessoas não definem sua própria carga horária, mas trabalham por produção.
O centro da capital do jeans é reconhecido por suas fábricas de quintal, é difícil passar por suas ruas e não ouvir o barulho de uma máquina overlock ligada , por exemplo. Os sons de Toritama são os sons de um povo trabalhador, que luta a cada dia pelo seu próprio sustento para garantir o seu prato de comida na mesa. Pelo fato de o centro da cidade ser o centro da economia, muitas pessoas acabam migrando da zona rural para a cidade em busca de oportunidades, afinal, assim como cita uma das personagens do filme, só não tem emprego em Toritama quem não quer, e isso faz com que a renda da cidade se concentre na produção de jeans, o que faz da produção agrícola uma segunda opção de ganho.
" - Quanto mais eu trabalho, mais eu ganho", " - Não tenho patrão, eu faço minha hora! ", essas são falas comuns e expressas com orgulho entre os moradores e trabalhadores das cidades que compõem o pólo têxtil do Agreste Pernambucano, como se vê no filme "Estou me Guardando pra Quando o Carnaval Chegar" (Marcelo Gomes, 2019), essas falas escondem uma preocupante realidade. Essas pessoas que se orgulham da forma como trabalham são as mesmas que se sujeitam a uma carga horária que ultrapassa 10 horas por dia, o que é resultado do baixo valor pago pelas peças que são feitas em etapas e rendem centavos à mão de obra. Tudo isso lembra o conceito de Mais-valia, descrito por Marx, em que o trabalhador produz três vezes mais que ganha.
Além disso, há muitos outros problemas nessa forma de produção, esses confeccionistas dependem do bom desempenho de quem está acima deles ( a pessoa que fornece a mercadoria a ser fabricada), o que gera insegurança, mas essa não é a única incerteza, esse formato de mão de obra não conta com nenhum tipo de segurança trabalhista, o que faz com que esses trabalhadores estejam totalmente vulneráveis diante de qualquer situação, seja a falência de quem fornece o trabalho, questão de saúde, velhice ou invalidez.
Com o avanço dos microempreendedores do século XXI, cabe dizer que as relações de trabalho foram danificadas. Isso porque é importante dizer que no agreste, a região é reduzida a facções e empreendimentos menores. Exemplificando sobre o assunto, a cidade de Toritama vive 90% do jeans, as facções são muito importante para esses nordestinos. Sob outro aspecto, vê-se que os fabricos podem ser na casa do patrão, as condições de trabalho são precárias e a refundação é bem menor do que o necessário. Essa realidade evidencia e ratifica o pensamento de Karl Marx, sobre a mais-valia porque os cidadãos vendem sua força de trabalho e o patrão ganha 10 vezes mais por isso, o que de certa forma é injusto.
Do outro lado da moeda, constata-se que o patrão também não vive uma situação totalmente favorável, pois mesmo recebendo melhor que os funcionários, ele vive uma certa precariedade e o único momento que ele tem pra descansar é nas férias de janeiro e fevereiro, em que esse dono de facção é capaz de vender seus pequenos bens para algum momento de descanso nos litorais pernambucanos. Ou seja, nenhum dos dois vive uma situação de total tranquilidade econômica. Somado a isso, é necessário dizer que a alienação é algo muito presente e se contentar com o pouco, o que é algo muito comum no Nordeste.
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Em ordem cronológica, observa-se que as condições precárias de trabalho nessas facções pernambucanas, fazem com que o indivíduo seja alienado, isso porque como ele é novo, não se preocupa com a velhice, vive o agora e trabalha o máximo que pode.
Entretanto, quanto mais velho o cidadão fica, mais a falta dos direitos trabalhistas se faz presente. Vale lembrar que muitas pessoas dessas cidades não têm condições de acesso a informação segura e por isso não entendem bem como funciona a aposentadoria e os direitos trabalhistas, o que se torna um problema.
A pandemia veio como uma forma de se reinventar, os empresários investem no que dá mais lucro, e apesar de o jeans ainda ser considerado produto primordial, algumas dessas facções de garagem adicionaram outro produto essencial desde o começo da pandemia: a produção de máscaras de proteção, para o público consumidor; além do uso no ambiente de trabalho, para a proteção das próprias costureiras. Afinal, o capitalismo é movido por dinheiro, e se os empresários ou os próprios trabalhadores percebem que algum outro produto está gerando uma renda maior que o outro, ou então que a procura está sendo grande, há investimento por parte deles, essa é uma das regras primordiais do capitalismo.
A readaptação pode ser tida como fator essencial para a produção durante os tempos pandêmicos, tanto das peças jeans quanto das máscaras de proteção. Assim como diz o diretor do filme, Marcelo Gomes, em um dos momentos finais da obra, Toritama jamais será a mesma de ontem, a cada dia uma nova Toritama, só o que não muda são as chuvas que vem depois do carnaval.
Apesar da pandemia, os moradores atuais relatam uma forte procura pelas feiras de domingo, a pandemia não afetou muito o setor, pois em uma população consumista e globalizada os bens estão acima dos valores, e a procura se torna maior pelo fato das rotinas de isolamento social, o que gera mais tempo para as pessoas consumirem.

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